Obra de arte


© Gerneinde Celerina

Adorava quando o vento fazia sua saia branca de algodão rodopiar. Sentia-se uma princesa em um conto de fadas. Não fosse a poeira e a paisagem árida, poderia ser parte de uma pintura, eternizada em uma obra de arte. Talvez enfeitar a sala de um nobre senhor, que perderia horas a contemplá-la, sonhando um dia encontrar tão bela moça, tocar seus cabelos, fitar seus olhos luminosos de sonhos por viver.

O vento abafado não chega a balançar sua saia. O suor escorre pelas pernas, fazendo desenhos na pele ressecada. Os pés descalços sentem o calor das pedras da rua. Tinha que parar com essa maluquice de sonhos, conformar-se com a sua sina. A sina de tantas antes dela.
Mas viver no alento, no torpor da imaginação solta fazia um bem tão grande. Dava para esquecer tudo, nem que fosse por breves momentos. Ser um outro personagem em outra história com final feliz e escrita por ela própria.

Seria possível reescrever este caminho, mudar seu curso? Ser diferente do que foram sua avó, mãe, tias e irmãs. Mas a bacia de roupas sobre a cabeça exigia concentração. Não era possível brincar de ser feliz neste instante. Era preciso trabalhar, sobreviver.

E, se ao chegar a esquina encontrasse o nobre senhor? Será que ele a reconheceria? O que diria sobre a bacia de roupas, seus pés descalços? Nada. Nada diria. É possível dizer tudo em silêncio.
Apenas pegaria suas mãos e juntos dançariam, finalizando a pintura de sua vida — iniciada naquele lugar seco, sem perspectiva — e que agora estava completa. Uma obra para sempre a enfeitar um salão de um lindo e importante museu, para ser contemplada pelos amantes do mundo inteiro.
Longe da miséria. Somente o encanto de existir e ser alguém, mesmo que em uma paisagem bucólica que um dia se apagará. Os dois seguem em silêncio, apenas as mãos entrelaçadas dizendo tudo. Há momentos em que as palavras são desnecessárias...

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