O lamento das almas

Sempre que o vento começava a soprar sentia o frio enregelar sua alma, atravessar seus ossos. Nesta hora a dor de deixar de ser era tão aguda e asfixiante que a única saída era sofrê-la ao extremo, extirpar todo seu conteúdo, perder a consciência e se deixar levar pelo desfiladeiro. Caminhar pelo fio de terra que se desprende ao menor movimento, ao suspiro mais abafado, era a menor das perdas. A navalha que entra fundo, rasgando e dilacerando, não poderia ser pior do que isto.

Só o ranger, seguido da batida da porta, que tira do delírio, lhe devolvia a sanidade e, com ela, o vento. O vento que sopra, insistindo em trazer uma semente que se dissemina feito erva daninha. Que se envereda pelo corpo, subindo pelos pés e pernas, se enroscando com gana pelas coxas e ventre, sufocando, cortando os sonhos, se enraizando no coração, acabando com a esperança.

É preciso conter o vento. O vento que enlouquece e traz consigo as vozes abafadas dos desesperados, daqueles que já se perderam, já deixaram de ser, mesmo sem o querer. Ouvi-los era ainda mais agoniante. Por que as outras pessoas pareciam não sentir aquele sopro? Será que conseguiam disfarçar? Ou também já não mais existiam e estava só na imensidão, à mercê do vento? A porta fechada, para o mundo e para a vida, impedia a entrada. Abafava o zumbido. Sem estalidos, sem lamentos, dando uma trégua e um pouco de paz. Mas não por muito tempo. Somente até a próxima rajada.

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