O ESCOAR DO TEMPO


© iStock

Numa esquina qualquer de outubro o final do ano me pega pela mão. Olho para trás: a primavera ainda nem concluiu seu laborioso aquecimento das almas, empedernidas pelo inverno.  As flores nem inundaram meus olhos de cor o suficiente. O vento não despenteou todos os cabelos. Tampouco varreu para longe os sombrios sentimentos acumulados nos dias frios. E a chuva não conseguiu levar para longe a sensação de tempo escoando.


Mas 2018 tem pressa. Não pode esperar enquanto me demoro observando as gotas d’água descendo pelo vidro da janela. Fica impaciente quando me flagra contemplando a dança das borboletas sob a luz do sol. Não quer que eu resvale com preguiça pelas horas, com a curiosidade de quem está em formação. Ele precisa que eu siga. Rápido. Exige que avie meus sonhos sem olhar para os lados. Sem sentir o compasso da vida.


E eu resisto. Me faço forte porque teimo em olhar para além das pequenas coisas. Dos detalhes. Porque cismo em parecer desatenta, na esperança de enganar a avidez dos meses, que puxam uns aos outros em atropelo, obedecendo a marcha ansiosa. Eles são os senhores, estão no comando. Se delongam nos períodos difíceis e adiantam o passo nos momentos de esplendor de cada um. São assim mesmo. Nos mostrando, sempre, que não cabe a nós. 


Mas também se distraem admirando seu próprio feito. E é nesse lapso fugaz que me sustento. No segundo quase imperceptível de abstração. No instante que se eterniza. É aí que resido agora. Na minúcia do sorriso, na particularidade do ser. Em cada pormenor escondido na palavra não pronunciada, no gesto de bondade, no sorriso compartido.


Porque os meses continuarão avançando sobre nós. E o novo ano se pronuncia assustadoramente tão cedo que ainda temos nítida a lembrança do dezembro último. Como se fosse ontem. Por isso, insisto em achar a passagem secreta para esse lugar único onde é possível saborear o presente e prolongar o agora.


E enquanto outubro se ocupa de antecipar o desfecho prematuro do seu ciclo, dissipando-se cinicamente, elaborando a entrada triunfal do seu sucessor, também eu finjo. Simulo não perceber sua trama. Desvio o olhar e aspiro o cheiro doce soprado da terra. Porque não tenho urgência. Tenho muito a fazer e a descobrir.

Comentários