Toda literatura do mundo

Toda a literatura do mundo dança na minha cabeça. Sinto os personagens se infiltrando por meus poros, saindo pelo suor. Um caldeirão de histórias ferve em minha mente. Nele, vejo virgens ruivas de olhos azuis, cabelos cacheados e seios arfantes, ventos uivantes, caixeiros viajantes e uma ou outra mulher de vida fácil na vida do número 79 da Park Avenue. O Ás de Copas persegue o menino da lupa, que busca o anão pelas empoeiradas e esquecidas ruas de Macondo, onde outrora José Arcadio Buendía se perdeu na busca a monalisas e ao sagrado feminino oculto na arte oculta de Da Vinci. Vejo os lírios do campo nas terras sem fim de São Pedro do Sul onde tantas anas e rodrigos também se perderam, ceifaram suas vidas numa luta sem fim. Vejo o luar pratear o telhado da Estância da Barra chamando Páris e Selene, apontando para uma manhã transfigurada. Ouço os gemidos roucos e abafados vindos do Ferrabrás e o lamento do rei solitário em seu pequeno planeta visitado pelo pequeno menino.

Toda a literatura do mundo me atormenta, me acalenta, me reinventa. Os tiros do massacre em outubro ecoam, reverberam pela solidão enquanto os presos empilham os corpos inertes dos colegas de cela no pátio um a um, centenas, enquanto o tic-tac insistente do relógio marca o passar melancólico das horas sem fim, de canoas e marolas preguiçosas do final de tarde. Com mão de ferro dom Corleone comanda o movimento ao mesmo tempo em que observo o soldado lutar na Guerra do Paraguai e teme um inimigo que desconhece. Ele foge, luta contra o imaginário. Eu luto contra o imaginário. As valquírias dançam ao sol escaldante do deserto dos capitães da areia e a brisa sopra como uma carícia do vento. As lavadeiras balançam suas cadeiras numa cadência envolvente enquanto batem boca e o murmurinho do cotidiano toma as ruelas do cortiço.

A vida é uma tocaia grande e os sons, cores e cheiros me remetem ao laboratório do alquimista. Minha mente vaga na velocidade das imagens, como o trem bala e o tempo, e o vento, e o tempo e o vento que fazem ranger a velha cadeira de balanço da velha Bibiana, da velha Manuela, que espera infinitamente por seu Garibaldi, perdido num oceano de tantas anitas.

O angico ser curva, quase cede ao tempo, ao vento, ao continente se despedaçando. A água gira no sentido horário, escoando para as profundezas do caldeirão toda a efervescência. E ainda que eu ande pelo vale das sombras, a colheita dos dias será benéfica e ao som do stradivarius extraviado, surrupiado do seio imperial, vou dançar a valsa com Bruno Stein e me revigorar de toda a literatura do mundo.

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