Frio

O frio entra sorrateiro por todas as frestas. Vem acompanhado do vento, cujo lamento é um prenúncio dos duros dias que estão por vir. As horas se arrastam nostálgicas, embaladas pela cadência do chuvisqueiro, do céu cinza, da densa fachada que impede a passagem da luz. De certo que muitos vão se curvar à ameaçadora soberania da estação. De certo que muitos vão sentir congelar as entranhas, perder o viço, a esperança. O calor se foi e o frio impassível destrói todas as pestes que se fizeram proliferar. Não há mais espaço para o despreparo, a nudez, a opulência dos sentidos. Tudo agora é silencioso e lúgubre.

As folhas que resistem dançam ao ar gelado. O verde salta aos olhos, limpo pela chuva, amarelando de vez em quando, queimado pela geada. O sol tem um brilho também límpido, cristalino, tímido, meio sem jeito de interferir na nova paisagem. O ar queima as narinas e judia as faces. Os cheiros são quentes. Não há mais brincadeira de rua. O aconchego da sala é o melhor lugar.

O frio é implacável, não perdoa os frágeis. Exige a força, o vigor. Vai se instalando devagar, encurtando os dias, auscultando a tênue batida da noite. O frio é presente para os que gostam de firmeza, impõe uma intensidade latente à vida. Subtrai do infinito uma beleza inexplicável que só a poucos é permitido sentir e perceber.

Comentários

AC disse…
Magali,
Os frutos vão caindo de podres, perante a insensibilidade de quem pensa que a tudo tem direito. No final, após a química fermentada no caldeirão do destino, poucos vão entender o fenómeno. Afinal, a vida não é apenas só um dia...

Beijo :)